Como postei ontem um material com o vídeo do Estrelas da Várzea e a minha coluna da Universidade do Futebol tratou da importância e mostrou um pouco do projeto, hoje venho com a entrevista que fiz com o autor do vídeo e das fotos com a análise dos campos irregulares do futebol de várzea: José Ricardo Yoshida Souza.
GdA: Como surgiu a idéia de fazer a análise dos tamanhos dos campos e por quê?
A idéia surgiu porque todo mundo só fala dos grandes times de
futebol e esquecem que a verdadeira paixão pelo futebol está na várzea.
Muitos dos craques que eles idolatram surgiram da periferia e jogaram em
campos da várzea.
O projeto inicial era contar histórias interessantes que aconteciam
nesses campos de futebol da várzea. Foi quando eu lembrei o que
aconteceu com o meu amigo Celso Marcon, que era técnico de um time de
várzea da zona leste de São Paulo (Gaviões do Itamaraty). Certa vez um
jogador do time foi substituido e ele ficou tão puto da vida que foi na
casa dele buscar um revolver para tirar satisfação com o técnico, mas a
turma do 'deixa disso' agiu rápido e tudo se resolveu. Isso é uma
história engraçada e triste ao mesmo tempo.
Aí entrei no Google Earth para fazer uma pesquisa rápida sobre os
campos de futebol que tinha em São Paulo e me deparei com um campo muito engraçado que ficava no meio de uma favela do Capão Redondo e ai eu
disse: "Achei o que eu queria!".
Percebi que existiam muitos campos assim por toda a cidade São
Paulo e não tinha outro caminho a seguir a não ser mostrá-os de uma
forma engraçada sem ofender os que ali jogavam.
O estudo é simples. Eu acesso o Google Earth e navego por toda a
cidade atrás de um campo com medidas bizarras. Existem vários campos de
várzea na cidade de São Paulo e muitos deles tem as suas medidas
proporcionais às oficiais, e outros totalmente foram dos padrões. E são
esses campos fora do padrões que estou buscando. O Google Earth tem uma
ferramenta que ajuda na metragem dos campos e segundo eles é muito
precisa. Depois entro em um editor de imagens e desenho as linhas para
ter uma ideia melhor da medidas estranhas de cada campo.
GdA: Qual a sua relação com o futebol de várzea e
acredita que a análise seja um registro que possa contribuir para a
manutenção do mesmo - este que tem diminuido drasticamente por
conta do futebol society?
Morei por vários anos na periferia de Guarulhos (Bairro Maria
Dirce) e do lado na minha casa tinha um campo de terrão que vivia
lotado. Quando eu tinha tempo dava uma passada por lá para dar uma
olhada. Via que todos os sábados e domingos era um entra e sai de times
naquele campo que até gerava um certo transito na região. Percebi o
quanto são importantes esses espaços para as pessoas que não tem outra
forma de patricar esporte a não ser o futebol. Na periferia é assim, ou
você joga futebol ou assiste. É diversão garantida.
Os dois campos caminham juntos. Só quero deixar um registro alegre dos campos de terrão.
Os
campos de futebol várzea estão acabando não por causa do campinho
society, e sim por causa da especulação imobiliária. Muitos desses
campos viraram conjuntos residenciais ou empresas e a população ficou
sem nenhuma alternativa se lazer.
A moda agora é colocar grama sintética nesses campos que ainda
sobrevivem por ai. Até acho legal essa substituição dos campos de terrão
por grama sintética, mas o que está por trás disso é uma politica
podre, de interesses partidários (em troca de votos) que não traz
benefício nenhum para a comunidade. Se já é difícil manter e fazer a
manutenção de um campo de terrão, imagina isso em um campo sintético.
GdA: Sobre o vídeo, ele foi criado a partir de qual
idéia? Foi realizado somente como registro, como documentário em si, ou
já com intenção de produzir material sobre o futebol de várzea? O que
surgiu primeiro: o registro dos campos ou o vídeo?
O registro dos campos foi o start do projeto. O vídeo foi criado
depois, para participar de um festival de cinema voltado para o mundo
futebol, o Cinefoot. O vídeo foi gravado em final de semana junto com o
meu amigo Fernando Lopes.
A idéia agora é rodar um documentário sobre a várzea, mostrando o
dia-a-dia desses campos, seus personagens, mostrar os craques e os
grandes clássicos que acontecem nesses campos.
GdA: O Estrelas da Várzea está aberto para que as pessoas sugiram campos
com formatos inusitados, mas os desenhos apresentados são exclusivamente
seus ou tem mais alguém envolvido?
Opa! O Estrelas da Várzea é do povo. A participarção das pessoas
tem uma importância muito grande nesse projeto. Existem milhares de
campos de várzea em São Paulo e região e não dá pra descobrir sozinho
esses campos. As pessoas mandam as sugestões e em seguida posto no blog.
Por enquanto não estou postando campos com as medidas normais, digamos
assim. Ainda quero encontrar muitos campos "bizzaros" por aií. Não está
fácil, por isso conto a participação dos seguidores do blog. Em breve
criarei um espaço para os outros campos da várzea. Estou sozinho nessa
jornada e preciso de ajuda. Aceita? (risos)
GdA: Aprendeu alguma coisa com o estudo, descobrindo mais particularidades ou padrões que não esperava encontrar?
Aprendi
que não tem limites para jogar futebol. Não importa o formato do campo,
se é redondo ou quadrado, as regras são as mesmas para quem joga
futebol. Em qualquer jogo que acontece nesses campos existem árbitros,
banderinhas, massagistas, técnicos, comissão técnica. O futebol é jogado
da forma mais honesta possível.
Um coisa interessante que descobri foi quando visitei o campo da
Escolinha Arco Verde na zona sul de São Paulo. Voltei ao campo para
projetar e entregar cópias do vídeo Estrelas da Várzea e vi um senhor
completamente bêbado, olhei pra ele e perguntei:
- O senhor gosta de
futebol? Quer assistir ao vídeo?
Ele ficou olhando pra mim e disse:
- Fui jogador de futebol profissional.
Em seguida foi embora. Perguntei
quem era aquele senhor e me responderam que era o Walter Zum-Zum,
ex-ponta-direita do São Paulo FC.
Um história triste que não gostaria que acontecesse com ninguém.
GdA: Qual o valor do futebol de várzea para você?
O
futebol de várzea é uma grande comunidade e serve como meio de
integração das pessoas. Existem grandes rivalidades dentro do campo, mas
assim que o árbitro apita o final do jogo as pessoas se reunem em volta
de um churrasqueira ou mesa de bar para rir e contar suas histórias.
Cada jogador dá o máximo que pode para representar sua comunidade, o seu time. Não importa se ele é gordinho ou perna-de-pau.
Na várzea existem regras, ética, disciplina e muita alegria.
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