Hoje, diferentemente de outros posts, venho com um tema diferente. Não é um tema técnico de arquitetura, nem mesmo está relacionado aos esportes, Copa do Mundo ou Olimpíadas. Vejam, primeiramente, o vídeo em duas partes que fala da importância de rejeitar uma única história. Uma lição a todos.
Conto agora uma breve história que vivenciei em uma viagem que fiz. Em 2006, fui aos estados unidos apresentar um trabalho, fruto de um workshop de urbanismo no MIT, em Boston. Aproveitei a viagem para conhecer um pouco mais a cidade, de todas as formas possíveis, inclusive passeando de patins pela cidade. Queria conhecer ao máximo de tudo e de todos. Em um dos dias de passeio, peguei o metrô e ao aguardar em uma plataforma (errada, por sinal), um americano veio me pedir informação. Ao dizer que não era de lá, ele puxou conversa comigo e com um senhor ao lado, perguntando mais sobre de onde eu vinha e como eram as coisas por aqui. A conversa foi mais ou menos assim:
Americano: Brasil? Que legal, e como são as pessoas por lá?
Lilian: Como são em que sentido? Brancos, negros, índios, educados, marginais, rabugentos, simpáticos?
Americano: Como são no sentido de descendência..
Lilian: Somos uma mistura, muitas descendências: alemães, italianos, portugueses, espanhóis, índios e também africanos. (nesse caso, depois de ver o vídeo me sinto até bem mal em ter generalizado, mas no caso, foi um desconhecimento meu).
Americano: Ah claro, pela proximidade, né? Por serem vizinhos, acabam migrando para o Brasil.
Lilian: Ah sim, claro... com essa proximidade toda, e só um oceano inteiro e praticamente um hemisfério de distância, torna-se muito fácil se mudar para o Brasil.
Americano: É que eu sou ruim de Geografia...
Como se não tivesse notado, cheguei a explicar onde ficava o Brasil, inclusive explicando que estava no continente americano, causando uma reação de espanto no sujeito. Mas, não contando somente esta história de como os americanos são estúpidos e ignorantes em relação ao mundo que existe fora do mundinho americano que eles conhecem, falo também da cara de surpresa do senhor que estava mais calado que falando junto a nós dois. Ele sabia da tremenda bobagem que o outro americano estava dizendo e vi na cara dele a vergonha que ele sentiu e o apoio à minha resposta e à explicação que dei. Nem todos os americanos são estúpidos.
Agora estava pensando. Não é por conta desses esteriótipos (palavra que repudio) que os brasileiros são mal vistos lá fora? Mesmo que se comportando bem? Eu mesma já fui abordada lá fora como um certo desrespeito pela imagem das mulheres brasileiras, também já passei muita vergonha ao não conseguir dançar absolutamente nada depois de muita insistência e de ouvir frases como "não há brasileira que não saiba dançar". Já passei por desaforos de italianos que mencionaram ter medo de vir aqui na Copa e serem roubados (pertences e rins). Hein? Pelo ICQ, quando criança, ainda me deparei com um inglês que perguntou quais tipos de animais tinham na minha casa e como era a minha casa, de que material era feito. Se surpreendeu muito ao saber que eu só tinha cachorros e que minha casa era de tijolo, telha, alvenaria convencional, como a dele. No entanto, já tive experiências maravilhosas, vindas dos mesmos países. Gente de fora que sabia mais do nosso futebol que muitos de nós mesmos, que gostava de artistas tradicionais brasileiros e não do funk que toca nos filmes, que sabia as diferenças entre animais brasileiros que eu mesma não sei distinguir um de outro. Não somos superiores, nem eles. Como Adichie mesmo diz, somos mais similares do que diferentes.
Quando fui para a Copa do Mundo na África do Sul, fui até com medo de me surpreender. Na verdade não sabia e não sei ainda se é bom me surpreender. Não queria chegar com uma imagem formada e não sabia ao certo o que esperar e tinha certo medo de que fosse muito diferente do que imaginava. Nunca havia pesquisado sobre a África do Sul e nem o fiz antes de visitar para não distorcer minha visão (se é que existia alguma). Meu conhecimento era geral, o que a maioria sabe: animais, safaris, 'fim do apartheid'. Felizmente, (acho que felizmente) a África do Sul não me surpreendeu em muitos sentidos o que é diferente de conhecer coisas que não conhecia.
Será que com os grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, que mostrarão o Brasil de todas as formas possíveis lá fora e que trará muito turista, a gente não poderia contar histórias novas e diferentes? Não deixar que somente os estrangeiros contem nossas histórias, mas nós mesmos possamos aproveitar para contar com a nossa vivência sob nossos olhares. Até nosso cinema acaba insistindo em algumas histórias que enfatizam a violência: Carandiru, Tropa de elite e Cidade de Deus são alguns deles. São ótimos filmes na minha opinião, mas não contam histórias diferentes, batem na mesma tecla, fortalecem a mesma imagem, a mesma história. O cinema brasileiro tem conquistado novas áreas como a comédia ou o drama. Mas os de maior sucesso lá fora, são os que mostram a violência. Não deixa de ser nossa realidade, mas não a única, o país tem muito mais o que mostrar, muito mais a contar. Somos um povo hospitaleiro, um povo que ri da própria tragédia, um povo trabalhador, artista, solidário. Temos muito trabalho em cima de campanhas contra a AIDS. Quase não mostramos isso (salva uma aparição de controle e exames no carandiru). Por que não mostrar um pouco de positivismo. Além di violência, o que vemos adoidado é promiscuidade. Como podemos querer credibilidade se nós mesmo, o nosso cinema, só mostra isso?
Incentivo e espero estimular qualquer brasileiro que queria fazer estudos fotográficos, teatrais ou cinematográficos que contem coisas diferentes, sob olhares diferentes, contemos histórias para nós mesmos, assim nós mesmos diminuiremos nossos preconceitos regionais e respeitaremos mais uns aos outros. Acho que esse pode até ser um argumento de projetos culturais para os brasileiros conseguirem apoio, do governo ou do poder privado. Que a gente possa aproveitar da nossa forma a oportunidade e visibilidade que estamos ganhando por um bom período.
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